A redação do inciso XXVI, do art. 5º da Constituição Federal de 1988 deixa claro que não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento que a pequena propriedade rural quando trabalhada pela família.
Portanto, a Constituição de 1988 deu tratamento especial para a pequena propriedade que é cultivada pela própria família. Entretanto, essa não define exatamente o que é pequena propriedade rural, deixando para lei específica o fazer, mas, passadas quase três décadas da promulgação da referida Constituição, essa lei ainda existe.
Para suprir essa lacuna, no ordenamento jurídico existem várias interpretações quanto ao conceito da pequena propriedade rural.
O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964) procura definir “propriedade familiar” utilizando como referência de área o módulo rural:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
[…]
II – “Propriedade Familiar”, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III – “Módulo Rural”, a área fixada nos termos do inciso anterior; […]
O módulo rural é a menor fração de terra no parcelamento do solo rural, levando-se em conta a possibilidade do trabalhador dali extrair o seu sustento e o de sua família, empregando toda a força própria de trabalho para essa finalidade.
Complementando, o art. 5º faz a distinção nos casos de tipos de exploração rural que podem ocorrer:
Art. 5° A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será fixada para cada zona de características econômicas e ecológicas homogêneas, distintamente, por tipos de exploração rural que nela possam ocorrer.
Parágrafo único. No caso de exploração mista, o módulo será fixado pela média ponderada das partes do imóvel destinadas a cada um dos tipos de exploração considerados;
No Decreto nº 84.685, de 6 de maio de 1980, encontra-se no art. 4º, a definição das características do módulo fiscal:
Art. 4º – O módulo fiscal de cada Município, expresso em hectares, será fixado pelo INCRA, através de Instrução Especial, levando-se em conta os seguintes fatores:
a) o tipo de exploração predominante no Município:
I – hortifrutigranjeira;
II – cultura permanente;
III – cultura temporária;
IV – pecuária;
V – florestal;
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada;
d) o conceito de “propriedade familiar” constante do art. 4º, item II, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
§ 1º – Na determinação do módulo fiscal de cada Município, o INCRA aplicará metodologia, aprovada pelo Ministro da Agricultura, que considere os fatores estabelecidos neste artigo, utilizando-se dos dados constantes do Sistema Nacional de Cadastro Rural.
§ 2º – O módulo fiscal fixado na forma deste artigo, será revisto sempre que ocorrerem mudanças na estrutura produtiva, utilizando-se os dados atualizados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (grifo nosso).
Apesar de ainda não existir um conceito específico da pequena propriedade rural, o que se deve considerar é que nos termos do art. 5º, XXVI da Constituição Federal de 1988, a pequena propriedade rural cultivada pela família é impenhorável para adimplemento de dívidas contraídas para o custeio agrícola.
O próprio parágrafo primeiro do mesmo artigo 5º da nossa Lei Maior afirma nos direitos e garantias fundamentais, como a garantia constitucional de impenhorabilidade da pequena propriedade rural, desde que cultivada pela família como fonte de sustento .
Dessa forma, o entendimento para o judiciário, ao julgar o pedido de impenhorabilidade da pequena propriedade rural, principalmente nas ações de Execução de Título Extrajudicial ajuizada pelo banco buscando a expropriação de bens, qual seja, a pequena propriedade rural o único bem que o pequeno produtor possui como garantia nos financiamentos rurais para custeio agrícola, esse não deve se prender a existência ou não de uma norma definidora quanto aos módulos fiscais exatamente compreende uma pequena propriedade rural.
Mas sim à função social da pequena área de terra cultivada pela família como sua única fonte de renda deverá se aplicar a medida mais protetora ao pequeno produtor rural e sua família.
O STJ já decidiu no sentido que a impenhorabilidade da pequena propriedade quando essa é a moradia da família, único imóvel do devedor, bem de família garantia constitucional garante o seu reconhecido de oficio pelo juiz de primeiro, e ou, decisão monocrática grau com a suspensão de leilões enquanto se discute o valor da dívida invitando prejuízos irreparáveis a família do pequeno agricultor.
Em seu voto (Resp 345933/RJ. Ministra Nancy Andrighi. 3ª Turma do STJ. DJ. 29/04/2002) “A Lei n. 8.009/90 merece interpretação ampliativa, conferindo proteção não apenas ao ‘imóvel do casal’, mas à entidade familiar como um todo, protegendo e conferindo legitimidade a todos aqueles que residam no imóvel e que sejam integrantes da entidade familiar para se insurgir contra a sua penhora ….. Não se pode olvidar que, ao declarar a impenhorabilidade do único bem de família (ressalvado o inciso supracitado), o legislador procurou amparar os menos assistidos economicamente, impedindo a extensão da miséria, dando-se proteção à família, considerada a célula-mãe de toda uma sociedade” (grifo nosso).
É o judiciário usando da garantia constitucional justamente para buscar garantir ao cidadão de menor poder aquisitivo, aquele sem orientação técnica, isso é, o pequeno produtor rural, que ainda trabalha de maneira rudimentar sem qualquer assessoria quer seja um contador com informações de mercado, um agrônomo com conhecimento na espécie de cultivo do agricultor e, principalmente, um advogado com conhecimento da tese da garantia constitucional, que lhe concede o direito de discutir a sua dívida junto ao banco sem necessariamente perder seu pequeno patrimônio que, na maioria das vezes, foi adquirido com muito sacrifício .
O agricultor precisa buscar no judiciário o equilíbrio dos contratos assinados junto as instituições financeiras, deixando o cidadão simples o pequeno agricultor de acreditar que pedir revisão de um contrato, requerer a exclusão das mazelas praticadas pelo banco é negocio de caloteiro.
A legislação jamais criará artifícios para provocar o calote, o não pagamento das dívidas, muito pelo contrário toda e qualquer obrigação se faz necessário o seu adimplemento, entretanto, a dívida precisa de certeza, liquidez e exigibilidade para ajuizamento da execução por parte do credor, assim, a participação do judiciário no equilíbrio dos contratos bancários principalmente aqueles de custeio agrícola que passaram por renegociação é buscar a formação do título liquido, certo e exigível , e mais, sem a perda do patrimônio daquele que quase nada possui para o sustento da família.
Ocorre que as instituições financeiras ignoram a própria Constituição Federal quando realiza a garantia sobre a pequena propriedade, e pior, levando a expropriação com a finalidade pagamento de dívida rural, reitera-se, ato inconstitucional.
Infelizmente, a maioria dos pequenos agricultores por falta de informações técnicas, não conhece essa garantia constitucional da impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela família, muitas vezes o local de moraria, o lar, com a devida função social da propriedade, impedindo a sua expropriação para adimplemento de contratos para custeio agrícola.
O que precisa deixar claro é que o endividamento na agricultura não necessariamente é atribuído à inexperiência e/ou qualquer ato que decorra de causa direta do agricultor, mas de causas totalmente adversas como um exemplo explícito a questão climática, por se tratar a agricultura de uma empresa a céu aberto.
Assim, pode se concluir que a agricultura é o ramo de atividade de maior vulnerabilidade, eis que, o seu resultado não depende exclusivamente do trabalho e dedicação daquele que explora a terra. E, sim, além das condições climáticas que submete desde a preparação do solo até a colheita, o agricultor precisa enfrentar as questões de mercado quando todos realizam a colheita do mesmo produto no mesmo local ao mesmo tempo.
É nesse momento que, na maioria das vezes, ocorre a origem do endividamento do pequeno produtor rural é quando a receita não consegue cobrir o custo, o preço de mercado não é suficiente para o adimplemento das obrigações assumidas na produção do produto.
Em contrapartida, as instituições financeiras como fornecedora do crédito, reitera-se, sem esse capital seria praticamente impossível o pequeno produtor rural desenvolver sua atividade, essa busca o adimplemento dos contratos independentemente do resultado obtido pelo produtor rural.
Diante da frustração de mais uma safra o endividamento é inevitável e o pior, o agricultor precisa de novo crédito para o próximo custeio. É o momento do banco simplesmente praticar todas mazelas em face do devedor (pedir mais garantia, avalista, taxas de juros abusivas), aproveitando-se do desespero do agricultor para fazer uma renegociação do contrato de custeio da safra anterior.
O que precisa esclarecer é que o simples fato da renegociação do contrato anterior não significa resolver o problema, como já dito, essa renegociação da dívida vencida é feita para aprovação de um novo contrato para liberação de novo valor para o custeio da próxima safra.
Na maioria das vezes o agricultor por falta de orientação técnica sequer discute o prazo e forma de pagamento, parece pedir favor ao banco, aceitando tudo que lhe é imposto em troca da liberação de novo crédito, esquecendo-se de pedir sequer uma carência para início de pagamento, transformando o que lhe parecia solução para uma dívida em uma situação ainda maior de endividamento que muitas vezes termina com a perda da pequena propriedade rural sua única fonte de renda para sustento de sua família.
E mais, a pequena propriedade rural dado em garantia no banco acontece por ser o único bem do pequeno produtor rural, e o fato da propriedade ter sido oferecida em garantia NÃO é causa para a instituição financeira alegar que por ser a garantia da divida deve se aplicar exclusão da impenhorabilidade da pequena propriedade rural Lamentável !!!!!
O TJ/PR já firmou entendimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural quando trabalhada pela família com a finalidade o próprio sustento.
Dando provimento ao recurso de apelação interposto por D.S.B.P. contra a decisão do Juízo da Vara Cível e Anexos da Comarca de Assaí que, nos autos de embargos de terceiro nº 2510-09/2009, ajuizada contra o Banco do Brasil S.A., julgou improcedente o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, a 13.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, reformando a sentença recorrida, reconheceu a impenhorabilidade da pequena propriedade rural pertencente à apelante. A relatora do recurso de apelação, desembargadora Rosana Andriguetto de Carvalho, consignou em seu voto: “Em análise aos autos, verifico que o imóvel a que se discute a impenhorabilidade e que foi penhorado, trata-se de uma pequena propriedade rural”. “Nesse sentido, vale a disposição do artigo 649, inciso VIII, do Código de Processo Civil, segundo a qual é impenhorável ‘a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família’.” “Infere-se que a norma processual, com a nova redação dada pela Lei 11.382/06, estabelece a impenhorabilidade de acordo com a verificação de dois requisitos apenas: (a) tratar-se de pequena propriedade rural; e (b) trabalhada pela família.” “[…] presentes os requisitos da impenhorabilidade estabelecida no artigo 5º, XXVI, da Constituição Federal, impondo-se a modificação da sentença para o fim de determinar a impenhorabilidade do imóvel rural.” (Apelação Cível n.º 861483-7)
Importante salientar que é impenhorável a pequena propriedade rural familiar mesmo aquela constituída de mais de um terreno ( várias matrículas), ou como fala o agricultor “ várias escrituras “ desde que contínuos e com área total inferior a quatro módulos fiscais do município de localização.
Para mais informações (44) 99935-6361 ou pelo e-mail elieuza.estrela@gmail.com