Confira na íntegra o artigo desenvolvido por Adeney de Freitas Bueno, chefe de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa Soja
A safra 2023/24 vem sendo marcada por instabilidades climáticas muito intensas. Climas mais quentes e secos afetam a fisiologia da planta e também afetam a ocorrência de pragas e seu controle nas lavouras de soja. Entre as pragas que atacam esse leguminosa, o complexo de espécies de percevejos que se alimenta das vagens de soja está em as pragas mais importantes, devido principalmente a sua dificuldade de controle, ocorrência de populações resistentes aos principais inseticidas utilizados e seu grande potencial de danos as vagens e grãos.
Praga normalmente de ocorrência mais acentuada no período de enchimento dos grãos da soja (estádio de desenvolvimento R5), esse ano, devido principalmente aos efeitos climáticos associado a uma safra desuniforme com lavouras em diferentes estádios de desenvolvimento, a população de percevejos tem sido observada mais cedo nas lavouras, com populações mais altas já no período de florescimento (estádio R1/R2) o que leva o produtor a perguntar: como nesse ano a população de percevejos está aparecendo mais cedo nas lavouras, a aplicação de inseticidas deve ser também realizado mais cedo para seu controle?
Euschistus heros adulto. Imagem: Jovenil José da Silva
Diante dessas dúvidas é muito importante alguns esclarecimentos visando orientar o sojicultor do momento certo que os percevejos precisam ser controlados na cultura da soja. Esse momento correto de controlar os percevejos na soja é conhecido tecnicamente como nível de ação ou nível de controle. Aplicar inseticidas antes desses níveis serem atingidos ou ultrapassados é desnecessário e o produtor está apenas “jogando dinheiro fora” em uma safra de muitas dificuldades. Por um lado, sempre há o receio do produtor de que as pragas estão “comendo seu lucro” no campo. Por outro lado, há toda uma pressão popular dos consumidores, da mídia e da sociedade em geral por um menor uso de agrotóxicos. Por isso é preciso fazer o certo. Assim como aprendemos desde criança que não podemos abusar dos remédios para não fazer mal à nossa saúde, também não podemos abusar dos inseticidas para não fazer mal à saúde da lavoura. Os inseticidas são uma ferramenta importante para a saúde da lavoura, mas seu uso errado traz consequências indesejáveis. Existe o momento certo de aplicar inseticidas para controle de percevejos, o que vamos esclarecer nessa matéria.
Preciso controlar percevejo antes da formação das vagens? No florescimento? É de certa forma comum ouvir no campo que se os percevejos não forem controlados no início da infestação, o controle fica muito difícil quando a população se estabelece na lavoura ou ainda mesmo que eles podem “derrubar” as flores e com isso afetar significativamente a produção em ataques antes mesmo da formação das vagens. Em experimento realizado no município de Iguaraçu, Paraná, foi possível observar que a aplicação do inseticida no florescimento da soja até propiciou um atraso na infestação inicial do percevejo, mas quando entrou no período mais crítico de ataque da praga (estádio de desenvolvimento da soja R5), a população de pragas cresceu em ambos os tratamentos que precisaram de controle com inseticida (Figura 1). Mesmo com o maior gasto com inseticidas no tratamento com controle no início da infestação dos percevejos (floração), não houve diferença significativa na produtividade entre ambos os tratamentos, que ficou acima dos 4.000 kg/ha (Tabela 1). O objetivo desta pesquisa foi avaliar se haveria algum benefício no controle dos percevejos (ninfas maiores que 0,5 cm e adultos) no florescimento, antes da formação das vagens, em relação aos níveis de ação atualmente recomendados de dois percevejos (ninfas maiores que 0,5 cm e adultos) por pano-de-batida (metro) para a produção de grãos, entre os estádios fenológicos R3 e R6 do desenvolvimento da soja. Os resultados evidenciam que o controle antecipado (realizado antes da formação das primeiras vagens) não proporcionou maior produtividade (Tabela 1). Além disso, houve a necessidade de três aplicações no controle antecipado (no florescimento), uma a mais quando comparado com o tratamento seguindo as recomendações do MIP-Soja. Resultados que levaram a conclusão que não há qualquer benefício na aplicação de inseticidas realizada antes da formação das primeiras vagens e que os níveis de ação atualmente recomendados para percevejos são seguros, devendo ser utilizados pelos produtores para um uso econômico e sustentável dos inseticidas.
Figura 1. População de percevejos comparativa no tratamento seguindo o nível de ação (MIP) e o tratamento com aplicação no início da infestação antes da formação de vagens (Crivelaro 2019, Dissertação de Mestrado).
Tabela 1. Parâmetros de produtividade da soja submetida a diferentes níveis de ação para controle de percevejos. Iguaraçu, Paraná, Brasil, safra 2017/2018 (Crivelaro 2019, Dissertação de Mestrado).
Parâmetros avaliados
Controle antes da formação das vagens (florescimento)
Controle seguindo o Nível de Ação de 2 percevejos/metro (MIP)
Produtividade (Kg/ha)
4269,0 ± 138,9 a
4030,4 ± 76,7 a
Massa de mil grãos (gramas)
168,02 ± 1,96 a
169,99 ± 3,27 a
Total de vagens em 20 plantas
928,8 ± 52,4 a
956,8 ± 21,3 a
Total de grãos em 20 plantas
2057,3 ± 115,4 a
2050,3 ± 43,4 a
Teste tetrazólio escala 1-8
35,0 ± 2,74 a
16,5 ± 4,1 b
Teste de tetrazólio escala 6-8
0,3 ± 0,33 a
1,5 ± 0,7 a
Grãos sem defeitos aparentes (% de massa)
56,2 ± 1,0 a
68,4 ± 3,2 a
Grãos com defeitos leves (% de massa)
39,2 ± 0,4 a
28,6 ± 2,8 b
Grãos com defeitos severos (% de massa)
4,6 ± 0,6 a
3,0 ± 0,8 a
Médias ± EPM seguidas pela mesma letra, na linha, não diferem entre si pelo teste Tukey a 5% de probabilidade.
Além da produtividade semelhante, é importante considerar que aplicações no florescimento (R1 e R2) podem causar maior impacto às abelhas além de mortalidade desnecessária de outros insetos benéficos como predadores e parasitoides que auxiliam no controle biológico natural das pragas e, por isso, os percevejos devem somente ser controlados a partir de R3 (formação das primeiras vagens) quando a população estiver igual ou maior que o nível de ação.
Ninfa de Euschistus heros. Imagem: Jovenil José da Silva
Tolerância da planta de soja ao ataque de percevejos Os níveis de ação de percevejo são bem seguros e devem ser respeitados porque a planta de soja é, em geral, bastante tolerante ao seu ataque, principalmente antes da formação de vagens. A Embrapa Soja avaliou e continua avaliando esses níveis de ação frequentemente. Experimentos com cultivares de diferentes hábitos de crescimento (determinado e indeterminado) e avaliações de ataques simultâneos de percevejos e lagartas foram recentemente conduzidos na Embrapa Soja confirmando a segurança e importância de se respeitar esses níveis de ação antes de aplicar inseticidas nos mais diferentes cenários de produção agrícola brasileiro.
Apesar de nos últimos anos alguns especialistas muitas vezes insistirem em afirmar que esses níveis de ação estariam desatualizados, os resultados obtidos na pesquisa e observados em campo mostram outra realidade. Manejar percevejos com um uso racional de inseticidas é possível e traz economias para o bolso do sojicultor, além de grandes vantagens ecológicas a médio e longo prazo ao meio ambiente, deixando a produção de soja muito mais sustentável. Essa realidade vai além das pesquisas e já pode ser observada em campo, em áreas comerciais de produtores de soja do estado do Paraná, graças ao trabalho conjunto realizado pelo IDR/Paraná e Embrapa Soja. Nos resultados obtidos, é possível observar uma economia no uso de inseticidas quando comparamos as áreas de produtores que adotaram o MIP-Soja (adoram os níveis de ação recomendados) em relação a produtores que não adotaram o MIP-Soja e aplicaram inseticidas mais cedo (Tabela 2). Podemos observar assim que a lucratividade é sempre maior no tratamento que seguiu os níveis de ação estabelecidos pela pesquisa.
Tabela 2. Resultados do projeto MIP-Soja conduzidos pelo IDR/Paraná e Embrapa Soja.
Variáveis/Comparação
Média das safras 2013/14 até 2021/22 (9 safras consecutivas)
Número de aplicações de inseticidas
Com MIP
1,8
Sem MIP
3,1
Custo do controle de pragas (kg/ha)
Com MIP
102,1
Sem MIP
214,0
Produtividade(kg/ha)
Com MIP
3.315,5
Sem MIP
3.249,8
Fonte: Bueno et al. (2023)
Além disso é importante salientar que o uso abusivo de inseticidas para percevejos agrava o problema de ocorrência de populações resistentes de percevejos. Entre 50 a 60% do inseticida utilizado na soja é para controle de percevejos. Sendo assim, os percevejos são as pragas que mais demandam o uso de inseticidas na soja e aumentando o uso desses inseticidas desnecessariamente para seu controle, o problema de resistência se agrava mais rapidamente. Atualmente, a ocorrência de populações de percevejos resistentes aos inseticidas disponíveis no mercado já é um dos grandes problemas enfrentados pelo agricultor no manejo da praga.
Se o sojicultor enfrenta periodicamente problemas com percevejos em sua área e quiser ter maior segurança no manejo desta praga, ele pode optar por usar cultivares mais tolerantes ao ataque de percevejos. A Embrapa recentemente lançou a Tecnologia Block®. Essa tecnologia identifica as cultivares de soja que apresentam características que permitem à planta sob ataque de altas infestações de percevejos terem menor perda de produção quando comparado às cultivares sem a tecnologia. As cultivares com tecnologia Block, proporcionam maior estabilidade de produção em situações de altas populações de percevejos e deve ser usada no contexto de um conjunto de tecnologias recomendadas pela pesquisa para MIP-Soja (consulte aqui informações sobre a Tecnologia Block).
Por isso faça o certo. Garanta sua produtividade gastando menos com a adoção do MIP-Soja e dos níveis de ação recomendados pela pesquisa e cultivares tolerantes/resistentes quando disponível. Não controle percevejos quando não houver vagens (a menos que seja liberação de parasitoides de ovos) O Meio Ambiente e seu bolso agradecem!
(Adeney de Freitas Bueno, chefe de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa Soja)