Confira na reportagem especial produzida pela Faep/Senar-PR
Uma crise sem precedentes empurra os produtores de leite para as cordas na luta pela sobrevivência na atividade. Diante de fortes oponentes como o alto custo de produção, importação da Argentina e do Uruguai, queda no preço do produto pago ao produtor e falta de suporte do poder público, os bovinocultores estão quase indo a nocaute. Resta, agora, o apelo às autoridades para que tomem medidas de fomento à cadeia produtiva e a “esquiva” dentro da porteira, na busca pela redução dos gastos, esperando que o mau momento passe antes da temida queda à lona.
Neste duelo, em todas as regiões do Paraná, os produtores que resistem têm a gestão como prioridade. Muitos vivem dilemas como mudar a dieta dos animais em determinadas fases, redução do tempo de ventilação em dias menos quentes para economizar na conta de luz, corte de funcionários, secar animais antes do tempo habitual, descarte de vacas menos produtivas, entre outras medidas necessárias para a sustentabilidade do negócio.
Em Itapejara d’Oeste, no Sudoeste do Paraná, maior bacia leiteira estadual em volume, o bovinocultor Douglas Oliveira busca alternativas para resistir na atividade, como processar 15% da sua produção em um laticínio próprio, como leite pasteurizado de pacote. “Comecei a reduzir o custo. Antes, nós dávamos caroço de algodão para os animais, agora não. Isso baixou um pouco a gordura do leite, mas o custo diminuiu. Também reduzimos a frequência de visita do veterinário e tivemos que demitir um funcionário”, compartilha Oliveira, que tem um rebanho de 89 vacas em lactação.
Um pouco para cima no mapa, na região Oeste, mais especificamente em Marechal Cândido Rondon, o produtor Edio Chapla também precisou alterar o planejamento para se manter na atividade. Quando começou a produzir leite, há oito anos, o plano era atingir 100 vacas em lactação em 2023. As dificuldades enfrentadas nos últimos tempos fizeram com que Chapla alcançasse somente 40 animais no atual momento, com produção de 1,3 mil litros por dia. “Nós ainda temos frango, peixe e suínos [sistema crechário] e plantamos um pouco de lavoura. No aspecto geral, todas as atividades estão com problema, pelo alto custo de manutenção de estrutura, mão de obra e energia elétrica. Vamos costurando, tirando de uma para tapar a outra, mas vai chegar um momento que produzir leite será inviável”, reflete Chapla.
No Noroeste, em Umuarama, a estratégia de Elson Junior para seguir produzindo leite passa pela união com outros produtores. Ele preside uma cooperativa de 57 bovinocultores que, juntos, acumulam 10 mil litros de leite/dia. “Um produtor de 100 litros por dia não tem poder de negociação e, às vezes, não possui conhecimento de mercado para sentar com a indústria e negociar. Agora, para a indústria perder 10 mil litros de leite por dia, já é outra coisa”, detalha o bovinocultor, que conta com 35 animais em lactação e produção diária de mil litros de leite.
A tempestade perfeita para o mercado de lácteos começou com a queda no consumo. A demanda por leite em 2022 voltou ao patamar de 2011, em termos de produção e consumo per capita. “Abrimos o ano passado com queda de 10% no preço em relação a 2021. Nunca tínhamos visto uma queda tão acentuada”, descreve o pesquisador da Embrapa Gado de Leite Glauco Rodrigues Carvalho. “Para piorar, entramos em 2023 com consumo mais fraco. E, como a economia da China desacelerou, a Argentina e o Uruguai, que tinham o país da Ásia como importante parceiro comercial, direcionou suas vendas para o Brasil”, acrescenta. Somente entre janeiro e agosto deste ano, o país já importou 1,4 milhão de litros (veja no infográfico).
Além disso, nem mesmo o inverno, período no qual historicamente as cotações do leite costumam aumentar, fez o preço pago ao produtor subir. Conforme dados do Conseleite-PR, desde abril, o preço de referência para o leite vem acumulando quedas consecutivas.
Outro fator de dificuldade envolve a oscilação no preço dos grãos, o que afeta diretamente o custo de produção de alimentos para as vacas. Em outubro de 2022, conforme o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab), o milho estava cotado a quase R$ 80 a saca. Como o planejamento ocorre com antecedência, a alimentação dos animais está pesando, apesar da cotação atual do cereal estar na casa dos R$ 42.
Em Castro, nos Campos Gerais, município que mais produz leite no Brasil, o produtor Roelof Hermannes Rabbers, há décadas na atividade, compara a crise da época da hiperinflação, início dos anos 1990, com o atual momento vivido pela cadeia do leite. “A receita diminuiu e a despesa ficou igual ou até cresceu. Ou seja, tudo subiu e o leite baixou”, resume Rabbers, que produz 5 mil litros/dia, com 160 vacas em lactação no regime semiconfinado.
Eficiência como contragolpe
As estratégias adotadas pelos produtores para resistir ao momento sinalizam para caminhos comuns em todas as regiões do Paraná. Diante do cenário alarmante, está clara a necessidade de eficiência na gestão da propriedade rural leiteira, para enfrentar oponentes pesos pesados.
Esse apontamento encontra força nos dados da Embrapa Gado de Leite, ao revelar que diferentes modelos de tecnologia e eficiência coexistem no Brasil, com produtores obtendo renda de R$ 5 mil por hectare por ano e outros de R$ 300. Desta forma, segundo Carvalho, da Embrapa Gado de Leite, com o passar do tempo, os bovinocultores com menor renda devem, gradativamente, deixar a atividade. “Produtores têm abandonado o leite e o motivo está atrelado à eficiência da produção. Por outro lado, produtores mais tecnificados e profissionais, que possuem escala de produção, são bonificados”, explica o especialista. Atualmente, as propriedades que produzem até 49 litros de leite por dia representam 71% do número de estabelecimentos no Brasil. Por outro lado, estes respondem por apenas 16% do volume da produção.
Mesmo essa parcela dos pecuaristas, que investe em tecnologia, precisa estar atenta à gestão, de acordo com o diretor da empresa Labor Rural, Christiano Nascif. Para o dirigente, uma parcela significativa dos produtores de leite adota a cultura do custo mínimo e não do lucro máximo, o que pode resultar na falência do negócio. “Tem modelo de negócio mudando para Compost Barn, com a ordenhadeira mais atualizada que existe e usando transferência de embrião. Mas, muitas vezes, em descompasso com a gestão, que está atrasada, ainda no século XVIII”, explica. “Muitos usam a máxima: ‘meu avô fazia assim, meu pai fazia assim e eu faço assim’”, complementa.
Nesse aspecto, a solução para problemas de gestão passa necessariamente por uma mudança de cultura, especialmente da assistência técnica.
No atual momento de crise, esses produtores que trabalham no azul estão apostando no “arroz com feijão bem feito”, que envolve perseguir boa produtividade e comprar insumo de forma planejada e conjunta. “Um caminho é tentar a expansão mesmo, pois há bonificação por volume e qualidade que acresce de 20% a 30% no valor recebido pelo produtor”, recomenda Carvalho.
Cenário de crise também atinge a indústria
A situação delicada do produtor de leite também se reflete na indústria, conforme o gerente da divisão de leite da Frimesa, Erivelto Costa. A marca que reúne 1927 produtores processa diariamente 680 mil litros de leite, crescimento de 6% em relação ao ano passado. Porém o faturamento cresceu apenas 2,38%. No final da conta, a operação possui, na média de 2023, uma margem de 0,3%. “Nem todos os produtos estão ruins. Temos um portfólio grande de lácteos e isso permite migrar para o que dá resultado melhor em cada momento”, revela Costa.
As agroindústrias com um portfólio enxuto atravessam situação mais complicada para fechar as contas. Mesmo a Frimesa tem adotado medidas para reduzir custos, com redução máxima de desperdício, programas de inovação e controle. “Hoje, não é só o produtor que está ficando com o ônus, tudo que veio de fora ficou muito caro. Eu acredito que o fundo do poço seria hoje se o leite brasileiro chegasse aos 41 centavos de dólar [em agosto, o Conseleite-PR fechou em cerca de 45 centavos de dólar], que é o preço pago pelo leite de importação da Argentina”, opina.
Medidas do poder público
Entrevista da deputada federal por Minas Gerais Ana Paula Leão, presidente da Frente Parlamentar em Apoio ao Produtor de Leite (FPPL)
Em quais frentes de ação a FPPL tem atuado para minimizar os efeitos da crise?
Nosso primeiro objetivo é estancar e tentar resolver o problema que está massacrando os pequenos e médios produtores: a importação. Conseguimos que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) voltasse com a taxa de 10% e acrescentasse mais 8% aos produtos oriundos da União Europeia (UE), Nova Zelândia e Estados Unidos, não só leite em pó, mas 28 produtos lácteos. No entanto, o leite da UE representa 5% do problema. O grande problema é do Mercosul, especialmente do Uruguai e Argentina.
Houve avanço em relação a diminuir as importações da Argentina e Uruguai?
Existe um programa no Mapa chamado “Mais Leite Saudável”, que permite a agroindústrias, laticínios e cooperativas de leite participantes utilizarem créditos presumidos do PIS/Pasep e da Cofins, da compra do leite in natura utilizado como insumo de seus produtos lácteos, em até 50% do valor a que tem direito. Solicitamos ao Mapa que as empresas que compram leite em pó importado percam o benefício.
Quais seriam os impactos de um eventual colapso na produção leiteira?
Seria um caos social! Somos em mais de 1 milhão de produtores de leite, que geram em torno de 4 milhões de empregos, considerando empregados diretamente nas propriedades rurais e técnicos, veterinários e outros profissionais. Esperamos que o governo nos atenda, porque 90% da classe dos produtores de leite são formados por pequenos e médios produtores.
Os produtores têm reclamado da dificuldade para manter em dia o pagamento de créditos de custeio e investimentos. Há alguma medida para prorrogar os prazos?
Fizemos o pedido também para o que o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, encaminhe isso e tome a frente de negociação com os bancos para prorrogar. Não está acontecendo só no Paraná. É uma realidade em outros Estados também.
Que mensagem a senhora deixa para o produtor que está passando por dificuldades e cogita fechar as portas da leiteria?
Esse problema do leite é cíclico, mas temos que colocar um ponto final nele. A FPPL está trabalhando essa situação e também em projetos de políticas públicas de incentivo. Por isso, eu deixo uma mensagem de esperança de que, juntos, vamos resolver esse problema.
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Atualização
Em 18 de outubro, o Governo Federal publicou o Decreto 11.732 de 2023 que promove mudanças nos percentuais das alíquotas da contribuição para PIS/Pasep e da Confis. Na prática, as empresas que optarem por comprar leite in natura nacional terão redução de 50% nesses impostos. A medida passa a valer em fevereiro de 2024.
Prêmio Queijos do Paraná agrega valor ao leite
A primeira edição do Prêmio Queijos do Paraná deu uma amostra de um possível caminho para os pequenos e médios produtores de leite. Ou seja, esses podem apostar na produção artesanal de derivados lácteos e agregar valor ao produto. Ao todo, a iniciativa teve 323 queijos inscritos.
A premiação distribuiu 98 medalhas de bronze, prata, ouro e super ouro. Entre esses, os jurados escolheram o melhor queijo do concurso: o Parmesão, da Frimesa, produzido em Marechal Cândido Rondon. Além disso, ao longo de nove meses do concurso, foram realizadas dezenas de ações, visando fortalecer o setor lácteo paranaense.
O sucesso do projeto promovido por um comitê gestor formado pelo Sistema FAEP/SENAR-PR, Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), Sebrae-PR e Sindileite-PR, com apoio de 28 entidades, fez com que a segunda edição esteja confirmada para 2024, com novidades.
“A primeira edição movimentou a cadeia do leite do Paraná, fazendo com que muitos produtores pudessem apesentar seus produtos ao público consumidor. Para a segunda edição, vamos trazer novidades, pois o objetivo é sempre agregar para desenvolver a cadeia produtiva”, destaca Ronei Volpi, presidente da Comissão Técnica (CT) de Bovinocultura de Leite da FAEP.
Em Arapoti, operação estável evita desperdícios
A busca quase obsessiva pela eficiência explica o caminho de Fernanda Krieger Bacelar no leite. A publicitária, com 15 anos de uma carreira em comunicação e marketing, resolveu apostar suas fichas em uma propriedade leiteira em Arapoti, região vocacionada ao leite.
Há sete anos, Fernanda resolveu traçar os primeiros planos de construir a leiteria, com ajuda de cursos do SENAR-PR. No final de 2016 a produção começou oficialmente, com 60 animais em lactação. A estrutura projetada para 400 vacas fez a produtora crescer a todo custo. “Naquela época, o leite entrava no resfriador e congelava, porque não tinha volume. Então percebi que para ser efetiva era preciso volume”, relembra.
O passo seguinte da operação foi apostar no aumento da remuneração pelo produto. Na região há cooperativas especializadas em leite, com programas de pagamento por qualidade. Hoje, com 430 animais em lactação e produção de 16 mil litros de leite por dia, Fernanda recebe mais de R$ 0,80 de bônus por litro com os índices de qualidade que obtém.
A propriedade já ganhou cinco prêmios da Cooperativa Capal e três da Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (APCBRH). Em momentos difíceis, Fernanda aponta para a necessidade de controle total das contas. “Já que não posso controlar custos, tenho que controlar meus gastos para manter a operação estável, segura e evitar desperdícios. Assim, quando passar a crise, eu vou poder galgar melhores lucratividades”, reflete.
Hora de identificar ineficiências
Por Nicolle Wilsek, técnica do DTE – Sistema FAEP/SENAR-PR
Sem aumento no consumo doméstico e sem capacidade de competir no mercado internacional com exportações, por possuir um dos maiores custos de produção em comparação aos países exportadores, a produção total de leite no Brasil não cresce desde 2014. Neste ano, o cenário se agravou por conta do aumento de importações de produtos lácteos oriundos principalmente da Argentina e Uruguai.
Embora o setor tenha evoluído nas últimas duas décadas, com expressivas transformações estruturais, novas tecnologias, equipamentos e genética que resultaram em ganhos de produtividade e melhorias na qualidade do leite, a condição de rentabilidade dos produtores piorou.
O leite paranaense é heterogêneo quanto à qualidade e volume produzido. Assim, somado ao cenário de dificuldades, muitos produtores com pequena produtividade deixaram a atividade. Já os remanescentes, retratam uma realidade de menos produtores e maior produção.
Mesmo com o cenário de dificuldades, o Paraná apresenta um potencial de produção de leite superior. A cadeia produtiva do leite viabiliza bons ganhos marginais, principalmente quando observadas as condições naturais da região, permitindo produção de pastagens e cereais durante o ano todo, além de ser uma atividade familiar. O momento é de o produtor conhecer a fundo a sua propriedade, identificando suas ineficiências para melhorar o custo produtivo, equilibrando com a receita atual. (Faep/Senar-PR)
Foto: Faep/Senar-PR