Conhecida como a Capital da Uva Fina do Paraná, Marialva foi responsável por 10,5% de toda a produção estadual da fruta em 2021, segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Líder entre os 254 municípios produtores de uvas no Estado, a cidade, na região Noroeste, viu a sua vocação se fortalecer ainda mais a partir de 2017, quando obteve o selo de Indicação Geográfica (IG), conferido a produtos cultivados em regiões específicas e com características diferenciadas.
A combinação das condições ambientais na região, o nível tecnológico adotado e a diferenciação da qualidade das uvas finas de mesa produzidas foram determinantes para o reconhecimento e reputação nacional desses produtos, concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A detentora do registro é a Associação Norte Noroeste Paranaense dos Fruticultores (Anfrut), que representa cooperativas e produtores de uvas de mesa da Região de Marialva.
De acordo com o presidente da entidade, Nelson Ricieri, o processo foi intermediado pelo Sebrae-PR e contou com o apoio do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), que providenciou os documentos exigidos pelo órgão federal. “Em 2015, o Sebrae-PR nos procurou e amadureceu a ideia de ter uma Indicação Geográfica para as uvas finas de Marialva. Entramos com o processo junto ao INPI e, em julho de 2017, recebemos o registro da indicação de procedência”, explica.
A conquista do reconhecimento foi bem recebida pelos produtores, que passaram a ter mais informações para potencializar a produção. “Eles fizeram cursos, foram treinados, receberam com alegria. Estamos trabalhando para que isso melhore mais ainda”, destaca o presidente da Anfrut, que considera que a mudança foi benéfica para todo o município. “
É um reconhecimento à história da uva de Marialva. Temos 20 produtores que fazem parte da Indicação Geográfica. As uvas dentro do padrão são seladas e vão para a frutaria, mercados gourmets ou diretamente para o consumidor”.
Entre as regras de produção a serem seguidas, estão o correto armazenamento, aplicação controlada dos defensivos agrícolas, descarte correto de embalagens, uso de equipamentos de proteção individual, além de ausência de mão de obra infantil e de pessoas em regime análogo à escravidão. No caso da própria uva, as bagas devem ser uniformes e ter aparência opaca, não podem possuir nenhum tipo de resíduo de defensivos ou cores diferentes da característica da fruta.
“Um técnico verifica cacho por cacho a uniformidade das bagas, o brix (que é o nível de açúcar da fruta), tudo. Se a uva está dentro dos padrões de qualidade, ela é reconhecida pela Indicação Geográfica. Também tem que ter o caderno de campo e anotar tudo o que se aplica nas parreiras: fungicida, data, dosagem e dia que colocou chapéu chinês, que é a cobertura plástica para proteção dos cachos contra a chuva”, diz Ricieri. “O reconhecimento trouxe um complemento para a renda do pequeno produtor. Nosso trabalho é fazer com que esse produtor seja mais bem remunerado pela qualidade da uva”.
De acordo com Beatriz Poletto, gestora de Agronegócio do Sebrae-PR, uma região é reconhecida com a Indicação Geográfica quando é referência na produção de algum produto. O Sebrae-PR fez todo o diagnóstico da região. “É quando ela está se desenvolvendo em função de algo diferente e que não tenha em outros estados. Marialva é referência pelo clima tropical, o que ajuda a cidade a produzir uvas de qualidade”, diz.
O órgão analisa os quesitos para fazer um diagnóstico que comprove o enquadramento na Indicação Geográfica, entre eles, o processo produtivo, a qualidade e apresentação do produto para o cliente. “Avaliamos desde a origem, quando é plantada, a preparação da terra, o desenvolvimento do fruto até o momento que é colhido e industrializado. O Sebrae-PR ajuda na documentação para solicitar essa indicação no INPI. Temos técnicos para fazer o diagnóstico em parceria com o IDR-PR”, explica.
O prefeito de Marialva, Victor Celso Martini, reforça que com o reconhecimento da Indicação Geográfica, o consumidor passou a confiar e comprar mais o produto. “O produtor tem que caprichar um pouco mais na qualidade para ter um produto melhor para quem está consumindo. Quando a pessoa experimenta a uva de Marialva que tem a Indicação Geográfica, o que chama atenção é a qualidade. Isso para nós agrega muito valor”, diz.
DESEMPENHO – A uva é a quinta fruta mais produzida no mundo. Entre os estados brasileiros, o Paraná é o sexto maior produtor, em grande parte pelo desempenho dos produtores marialvenses, responsáveis por R$ 23,5 milhões dos R$ 223,2 milhões movimentados com o produto ao longo de 2021.
No ano, o Estado produziu 46 mil toneladas de uvas em uma área de 3.579 hectares, com um rendimento médio de 12.858 cachos por hectare. Somente em Marialva são colhidas 17 mil toneladas por ano, cujas principais variedades são Brasil, Benitaka, Niágara, Rubi Vitória e Itália.
A produção começou na década de 1960, com os descendentes japoneses da região, mas a importância econômica da uva no município deu seu primeiro salto no final da década de 1980.
Antônio Pérez Martinez, produtor de Uva Nubia, plantou a primeira parreira em 1990 numa área de 5 mil metros quadrados. Com o passar do tempo, a rentabilidade da propriedade foi aumentando a ponto de Martinez expandir a produção, chegando a quatro hectares. Na melhor safra, ele chegou à marca de 60 toneladas anuais.
Apaixonado pelo que faz, Martinez não esconde o prazer que sente por todos os processos até a uva chegar ao consumidor. “Não é só a questão de faturar financeiramente. É uma fruta muito bonita. Se você está embaixo da parreira, você vê todo o processo”, conta o produtor, que sempre buscou seguir boas práticas para garantir um produto diferenciado no mercado.
“Procuramos ter um padrão de qualidade, um padrão de uva dentro do brix e das exigências legais. É muito artesanal. Passamos a tesoura uma, duas, três, vezes. Tem que tirar os brotinhos, é tudo serviço artesanal. Estamos esculpindo uma obra de arte”, complementa o produtor.
Martinez conta que o reconhecimento contribuiu para a padronização de técnicas na produção, além de atrair mais compradores. “Ela causa um benefício geral. O comprador quer produto bom, você passa a administrar a sua produção para produzir uma uva de melhor qualidade. Na minha propriedade sempre procurei colher o máximo possível dentro desses padrões”, afirma.
“Quando fizemos o processo todo da Indicação Geográfica, ajustamos algumas regras para padronizar todos os produtores que fazem parte do grupo. Melhoramos um pouco a questão de regras a serem observadas. A maioria dessas regras eu já adotava na propriedade”, conclui Martinez.
CAMINHO DA UVA – Uma das iniciativas que também contribuiu para o reconhecimento da Indicação Geográfica foi o Caminho da Uva, uma rota turística que passa por vinícolas, lavouras de uva e até por um observatório astronômico no município. As visitas são agendadas e cada propriedade rural estabelece um valor diferente para a programação. Há inclusive um mapa virtual com as 15 propriedades que compõem o Caminho da Uva.
Conforme explica o extensionista do IDR-PR em Marialva, Ailton Rojas Poppi, o Caminho da Uva faz parte do projeto de turismo rural elaborado pelo instituto partir da necessidade de organizar as visitas que os produtores já recebiam constantemente. “Começamos a trabalhar em 2012 porque vimos que havia um potencial do município para criar um roteiro turístico. Criamos o Caminho da Uva, que continua crescendo, e no ano passado criamos o mapa virtual, o que ampliou ainda mais a visitação às propriedades”, explica.
O profissional conta que a ideia foi possibilitar que o produtor consiga mais uma fonte de renda. “Quando trabalhamos com o projeto de turismo rural, a proposta é propiciar o aumento de uma atividade em que cada visitante gera uma receita média de R$ 150 a R$ 200. Queremos fazer com que a propriedade tenha uma nova renda sem sair da essência do que é a produtividade rural”, argumenta Poppi.
Segundo ele, a Indicação Geográfica atraiu ainda mais turistas para a rota. “O turismo se tornou mais forte, as pessoas vêm pra Marialva para ver uva. A Indicação Geográfica veio para coroar o trabalho e certificar que uma uva desta qualidade só se encontra em Marialva”, ressalta o extensionista do IDR-PR.
OUTROS PRODUTOS – A produção de uva em grande escala acaba potencializando o desenvolvimento de outros produtos derivados, como sucos, doces e vinhos. Um destes exemplos é o produtor Valdir Monarin, proprietário de uma vinícola que leva o sobrenome da sua família desde 1993, mas cujo vínculo com as uvas de Marialva é ainda mais antigo. “A família é envolvida desde 1970 e a minha mãe se aposentou trabalhando nisso. A gente sempre gostou do que faz”, diz.
A família decidiu produzir o vinho com as últimas parreiras, que são mais difíceis de comercializar pelo mesmo preço das que são colhidas primeiro. Atualmente, a vinícola produz cerca de 5 a 6 mil litros por ano com uvas finas de mesa sem caroço, rústicas e com alguns blends (misturas) de uvas finas.
Apesar de, neste caso, o produto final não ser a própria uva, a Indicação Geográfica contribuiu para uma melhora na produção do vinho. “Nossa produção mudou. Tivemos o enquadramento e auxílio dos nossos parceiros que moram aqui, que passaram por um aprendizado para ter uma produção melhor”, afirma.
Monarin lembra que a melhora na produção tem um impacto econômico. “Você gera mais recurso com esse aprendizado que pode melhorar seu produto e, consequentemente, melhora a economia”.
Outra frente é a produção de suco. Em maio deste ano, foi inaugurada uma cantina de suco de uva dentro da Anfrut. A empresa faz parte da Comafrut e teve financiamento do programa Coopera Paraná, do Governo do Estado, com R$ 316 mil para compra de equipamento que implementou a usina de suco. A Comafrut, em 2020, também pelo Coopera Paraná, recebeu R$ 416 mil para aquisição de um equipamento de beneficiamento de frutas, veículos com baú refrigerado e usina fotovoltaica. (AEN)
Foto: Antônio Pérez Martinez, produtor de Uva Nubia, plantou a primeira parreira em 1990 numa área de cinco mil metros quadrados. Com o passar do tempo, a rentabilidade da propriedade foi aumentando a ponto de Martinez expandir a produção, chegando a quatro hectares. Na melhor safra, ele chegou à marca de 60 toneladas anuais. Ari Dias/AEN
Fotos:Ari Dias/AEN