Potência no agronegócio, o Paraná caminha para se tornar referência na transformação de um passivo ambiental em fonte de energia. Da decomposição de resíduos orgânicos é possível extrair biogás, combustível usado na produção de energia elétrica. E da purificação do biogás ainda é possível obter o biometano, substituto direto do gás natural que pode ser usado como combustível de veículos. Gases que podem transformar a economia paranaense.
Dados da Associação Brasileira de Biogás (ABiogás) indicam que a produção nacional de biometano está em aproximadamente 400 mil metros cúbicos/dia e deve chegar a 30 milhões de metros cúbicos/dia até 2030. No Paraná, cerca de 70% do território é propício para o desenvolvimento da produção de biogás e biometano. Isso significa uma produção potencial de mais de 2 milhões de metros cúbicos/dia.
As características agropecuárias e agroindustriais, somadas à geração de energia renovável, concedem ao Paraná liderança no potencial produtivo de biometano do Sul do país. Em especial o gás oriundo das sobras da produção animal.
O Paraná é líder com folga na criação nacional de frangos, com 34% do abate total – no primeiro semestre, foi abatido 1,07 bilhão de aves. Na suinocultura, o Estado ocupa a segunda colocação nacional com 21% dos porcos abatidos no Brasil, potencial que vai se elevar com investimentos significativos das cooperativas em novos abatedouros. Por fim, o Estado também é destaque na cadeia leiteira, como segundo maior produtor do país, com 4,4 bilhões de litros em 2022.
Levantamento do Centro Internacional de Energias Renováveis e Biogás (CIBiogás) mostra que o Paraná é o segundo estado com mais usinas desse tipo no país. Fechou 2022 com 198 plantas de biogás, atrás apenas de Minas Gerais, com 274. De todas essas unidades são paranaenses, 136 são de origem agropecuária.
“Temos no Paraná produção expressiva de proteína animal, cujas sobras – dejetos, gorduras, ossos e vísceras – podem gerar biogás. Temos o setor sucralcooleiro que também fornece material orgânico, além de outros. Ou seja, o Paraná tem base produtiva que é altamente geradora de biomassa, a matéria orgânica usada como fonte de energia limpa e sustentável. Por isso temos que usar essa força energética”, destaca Herlon Goelzer de Almeida, coordenador estadual do programa RenovaPR, que incentiva a instalação de projetos de energia sustentável em propriedades rurais.
O programa da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento (Seab) e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR Paraná) desenvolveu 6.662 projetos de energia sustentável em propriedades rurais. A maior parte de energia solar. Porém, o programa está voltando seus esforços para ampliar a participação do biogás e biometano, principalmente entre produtores de proteína animal e nas agroindústrias.
EXPANSÃO NA PRODUÇÃO – O coordenador do RenovaPR explica que a energia elétrica produzida do biogás pode ser consumida na propriedade rural ou ser vendida. Além disso, permite a expansão da produção. Em especial de proteína animal, já que as sobras orgânicas, em especial dejetos, deixam de ser um problema ambiental e viram fonte de energia.
“A produção nas propriedades está praticamente a pleno. Os órgãos ambientais, corretamente, não permitem a expansão por não ter mais para onde destinar os dejetos. Por isso a produção de biogás é uma saída, verticalizando e destravando a produção”, explica Almeida.
Foi exatamente o que aconteceu com a propriedade de José Carlos Colombari, 60 anos, em São Miguel do Iguaçu, no Oeste. A partir da destinação ambientalmente correta dos dejetos, a fazenda expandiu a produção de 9 mil para 15 mil suínos ao ano. Hoje, a propriedade gera 75 kilowatts/hora de energia, o que sustenta a própria fazenda e permite a venda do excedente.
A propriedade de 500 hectares com criação de suínos, bois e frangos, além de agricultura, instalou o primeiro dos dois biodigestores em 2006. Dois anos depois, foi a primeira do Paraná a operar com biogás na geração distribuída, em que o excedente do consumo é injetado no sistema de energia, gerando renda à propriedade.
“Com os dois biodigestores que operam na propriedade economizo na conta de energia entre R$ 20 mil e R$ 25 mil por mês e ainda tenho o subproduto, que é o fertilizante”, explica Colombari. O extrato que sobra da produção do biogás é capaz de fertilizar toda a área de 30 hectares destinada à pecuária na propriedade.
“Minha preocupação sempre foi ambiental. Mas com a produção de biogás uni o útil ao agradável: trato os dejetos, aproveito o gás para gerar energia e ainda tenho receita com a compensação de créditos. Isso sem contar o bem-estar de quem vive e trabalha na propriedade, porque o mau cheiro diminuiu e as moscas desapareceram. Em resumo, a única coisa que perdemos agora na produção é o grito do porco”, brinca Colombari.
Maciel Comunello, 41 anos, é outro produtor satisfeito com o sistema de biogás em sua propriedade em Francisco Beltrão, no Sudoeste. Há seis anos, ele instalou o gerador de 75 kilowatts/hora com o qual garante perto de 90% da energia elétrica consumida na fazenda criadora de vacas leiteiras. Os outros 10% são produzidos por placas de energia solar, garantindo a produção de energia totalmente sustentável.
“Pago a taxa mínima da concessionária de energia elétrica. Estou muito satisfeito com o sistema de biogás e biometano, tanto que vou investir para ampliar o sistema”, explica o pecuarista, que pretende instalar mais um gerador, de 120 kilowatts/hora.
Quando foi instalado o primeiro biodigestor em 2017, a propriedade trabalhava com 60 vacas, entre animais de lactação, cria e recria. Agora, tem 250 cabeças e a expectativa é chegar a 320 até o fim de 2024 com o novo investimento em biogás. Com isso, a meta é de que a produção diária da fazenda dobre de 6 mil litros de leite para 12 mil litros.
“Esse novo sistema vai permitir a instalação de mais dois robôs de ordenha de vacas, indo de dois para quatro robôs trabalhando 24 horas por dia”, explica Comunello. “Sem o biogás, seria muito difícil aumentar a produção. O biogás acabou virando uma receita a mais da propriedade e ainda consigo ser mais produtivo”, aponta.
Na propriedade de Comunello o extrato também é usado na fertillização do solo. “Em dois anos e meio recuperei esse dinheiro, não só com a economia na energia elétrica, mas também com redução no consumo de fertilizante químico”, detalha ele. Com extrato que sobra da biodigestão, a aquisição de fertilizantes químicos na fazenda caiu em 30%.
POTENCIAL NO OESTE – Projeto coordenado pelas secretarias da Indústria, Comércio e Serviços (Seic) e do Planejamento (Seplan) prospecta a instalação de usinas de biogás no Oeste do Paraná, maior polo transformador de grãos em proteína animal do Brasil, que concentra a maior parte da criação de frangos e suínos do Estado. O investimento pode chegar a R$ 18 bilhões.
O secretário da Indústria, Comércio e Serviços, Ricardo Barros, enfatiza que o biogás é a alternativa para destravar a produção de proteína animal. Barros lembra que a região já enfrenta dificuldades na emissão de licenças ambientais para novos produtores porque compromete os rios.
“Com as usinas de biogás teremos geração de energia limpa e sustentável e crescimento da produção, o que vai permitir atender a demanda nacional e internacional por proteínas animais do Paraná, já que mercado não falta”, aponta Barros.
O secretário ainda contextualiza que quatro fatores fazem desse o momento ideal para o Estado investir no biogás: a aprovação do autocontrole sanitário nos abatedouros, o status de área livre de febre aftosa sem vacinação, a renovação da concessão da Companhia Paranaense de Gás (Compagas) e a adesão do Paraná a três convênios do Conselho Nacional da Fazenda (Confaz) que concedem benefícios fiscais para produção e consumo de biogás e biometano. (AEN)
Foto: Geraldo Bubniak/AEN