Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM) busca há 15 anos o melhoramento genético de tilápias do Nilo, a espécie de peixe mais produzida e de grande importância comercial no País.
Recentemente, o Programa de Melhoramento Genético de Tilápias do Nilo (Tilamax), desenvolvido pelo grupo de Pesquisa PeixeGen da universidade, avançou com as teses de mestrado de duas pesquisadoras de Moçambique, Carla Finiosse e Nareta Figueiredo.
Segundo o orientador delas, docente da graduação e pós-graduação do Departamento de Zootecnia da UEM, Carlos Antonio Lopes Oliveira, as pesquisas promoveram um avanço nos estudos para o desenvolvimento de material genético que dispense a necessidade de reversão sexual na produção de tilápias do Nilo.
Oliveira explica que, atualmente, a forma mais utilizada para o cultivo desta espécie é o monosexo – apenas machos – porque o peso da fêmea oscila entre 70% a 75% do macho.
Para isso é realizado o processo de reversão sexual das fêmeas com dieta de ração com hormônios masculinizantes nos primeiros 30 dias de vida das tilápias, assim se reduz a diferença de peso existente entre machos e fêmeas, propiciando melhor crescimento e viabilidade econômica da tilapicultura.
Oliveira frisa que a técnica é segura tanto para o consumo humano como para o meio ambiente, pois não deixa resíduos no peixe nem no ecossistema, porém implica em uma percepção negativa, por parte dos consumidores. “Essa dieta reverte as fêmeas genéticas em machos fenotípicos, ou seja, ela não deixa de ser fêmea genética, mas ela se expressa como macho, assim ganha peso.
Apenas ocorre uma mudança fisiológica no animal. Apesar de comprovado, cientificamente, que o processo de masculinização é seguro ao consumidor porque o peixe só vai ser abatido após seis a nove meses depois de finalizado o tratamento”. O professor reforça ainda que a prática é regulamentada e não causa problemas ambientais ou ao trabalhador.
Os pesquisadores da UEM buscam a possibilidade de produção de tilápias sem a necessidade de masculinização para que, caso venha a ocorrer restrições comerciais quanto à dieta hormonal, os piscicultores possam ter uma alternativa de cultivo que mesmo sem o tratamento se obtenha fêmeas mais pesadas.
Em um trabalho feito pelas pesquisadoras africanas, em linha comercial, obteve-se redução da diferença de pesos entre os animais. Após o uso do material genético da UEM no acasalamento, as fêmeas passaram de 72% do peso do macho para 82% em viveiros escavados e para 80% nos tanques-rede. “Conseguimos aumentar dez pontos porcentuais sem a dieta hormonal, o que indica que existe um caminho para diminuirmos a desigualdade entre os sexos”, comemora.
“A gente está olhando para uma possível limitação futura, principalmente com relação à opinião pública e aos mercados mais exigentes e restritivos.
Vislumbramos a possibilidade de criar um material genético, que gere animais tão competitivos quanto os animais que recebem o tratamento. A intenção é que, com o tempo, a UEM seja detentora de um material genético que consiga produzir sem hormônio. Já temos, em tanques-rede, um material que aumenta o peso das fêmeas entre 80% a 85% do macho. Para viveiro escavado é preciso estudar ainda mais”, avalia.
Melhoramento genético
Os mestrados das moçambicanas foram estudos complementares dentro da Pesquisa PeixeGen. Figueiredo pesquisou o “Dimorfismo sexual para o peso corporal de tilápias do Nilo” e conseguiu aprimorar a metodologia para o processo de seleção de famílias reprodutoras, reduzindo a diferença entre macho e fêmea.
Já Finiosse fez a “Avaliação do dimorfismo sexual para a velocidade de crescimento em tilápia do Nilo em dois sistemas de produção”. Ela testou o material genético em tanques-rede e viveiro escavado, confirmando a elevação do peso das fêmeas.
As pesquisadoras são funcionárias do Centro de Pesquisa em Aquicultura (Cepaq), em Chókwè, Moçambique (África), que produz tilápias da espécie Moçambicana e da espécie Nilótica (a mesma produzida no Brasil). Finiosse chefia a Unidade de Alevinagem de tilápias do Nilo e Figueiredo é técnica no setor de melhoramento genético de tilápia moçambica. Oliveira lembra que a parceria foi impulsionada pelo zootecnista Humberto Todesco, egresso da UEM, que atua como consultor no Cepaq.
“Para mim, esta pesquisa foi muito boa porque praticamente eu só tinha a experiência de onde eu trabalhava. Na prática, a gente aprende mais, consegue ver os problemas e as soluções, além de ter um grande professor ao nosso lado. Volto para o meu país com uma boa bagagem de melhoramento genético”, analisa Finiosse.
Figueiredo também afirmou que sua experiência no Brasil foi muito gratificante. “Eu já tinha uma bagagem de tecnologia de produção, mas era com tilápia de Moçambique. Aqui pude ampliar meus conhecimentos ao trabalhar com tilápia nilótica e vários sistemas de produção.
Vou levar essa experiência nova para o meu país e aplicar as novas tecnologias de produção que aprendi aqui. Estou extremamente satisfeita por ter feito parte dessa instituição, desse programa de pós-graduação e também por ter sido orientada pelo professor Carlos Oliveira”, comenta.
Ela reforça ainda a importância desse estudo para os países do terceiro mundo, onde o custo de do processo de masculinização é elevado. “Eu falo com conhecimento de causa.
No meu país, o uso de hormônios é muito restrito. É um insumo da aquicultura, que acarreta um custo extremamente elevado.
Então, termos uma linhagem como esta, que não necessite desse insumo vai ser de grande valia para nós”, finaliza. Oliveira reconhece que quando pensava no estudo nunca observou que a questão do custo pudesse ser um aspecto importante. “Somente a partir da visão delas, percebi a dimensão da pesquisa. Eu não pensava na questão do custo, porque o custo do hormônio no Brasil não é relevante”, constata.
A parceria de transferência de tecnologia entre os dois países começou há dois anos, em fevereiro de 2022, quando foi assinado um acordo de cooperação internacional entre o Programa de Pós-Graduação em Zootecnia (PPZ) da UEM e a organização norueguesa, não governamental e sem fins lucrativos, Norges Vel, por meio do Escritório de Cooperação Internacional (ECI).
A vinda e manutenção delas foi mantida pela ONG Norges Vel e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que concedeu bolsas de estudos no último ano.
“Esta foi uma importante iniciativa do PPZ mediada pelo ECI. Efetivamos o acordo entre a UEM, o órgão norueguês que financiou as bolsas e o centro de pesquisa moçambicano ao qual as pesquisadoras estão vinculadas.
Essa parceria incide diretamente no desenvolvimento sustentável por meio da transferência de conhecimento e tecnologia. Foi uma interação valiosa para o intercâmbio de conhecimento e o enriquecimento cultural das partes envolvidas”, avalia Renato Leão, coordenador do ECI.
Figueiredo e Finiosse concluíram o mestrado e retornaram a Moçambique no última semana, levando o material genético desenvolvido na UEM para distribuição pelo Cepaq aos alevinocultores e piscicultores do país africano.
Programa Tilamax – Desenvolvido há mais de quinze anos na Estação Experimental de Piscicultura da UEM, que desenvolve desde 1996 uma importante função na pesquisa de excelência para a piscicultura brasileira, envolvendo estudantes da graduação, mestrado e doutorado, tornando-se referência em melhoramento genético na América Latina.
Localizada no distrito de Floriano, a 20 quilômetros de Maringá, a Estação abriga o primeiro centro público da América Latina de pesquisa sobre melhoramento genético de Tilápias do Nilo, o programa Tilápia Tilamax, que está na 15ª geração de seleção.
Esse trabalho é realizado em 20 tanques de 6m³, onde são avaliados anualmente representantes de 50 a 90 famílias, resultando em aproximadamente 3 mil peixes. De cada grupo familiar são selecionadas as quatro melhores fêmeas e os dois melhores machos, que serão os pais da próxima geração.
Norges Vel – Também conhecida como Sociedade Real Norueguesa para o Desenvolvimento, a Norges é a organização mais antiga da Noruega, envolvida no trabalho de desenvolvimento local desde 1809.
Desde 1978, também atua com o desenvolvimento industrial em nível internacional, inclusive em vários países do sul e leste da África. Ela também opera projetos na Noruega, Bálcãs e América Latina.
A organização, que é baseada na ética e independência, oferece adesão a indivíduos, empresas e outras organizações.