Para se ter ideia cerca de 90% da área voltada ao cultivo de cana-de-açúcar no país hoje já utiliza inimigos naturais para o combate de pragas agrícolas
O número de produtos biológicos para a proteção de culturas contra pragas agrícolas registrados no Brasil nos últimos anos superou o de agroquímicos. Cerca de 90% da área voltada ao cultivo de cana-de-açúcar no país hoje, por exemplo, já utiliza inimigos naturais, como microrganismos, macrorganismos, bioquímicos (compostos de origem natural que controlam pragas e doenças) e semioquímicos – como são chamadas as moléculas que induzem respostas comportamentais em organismos-alvo.
Os dados foram apresentados por José Maurício Simões Bento, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em um painel de discussão sobre agricultura inteligente durante a Fapesp Week Illinois, em Chicago (Estados Unidos).
“Atualmente existem cerca de 629 produtos biológicos registrados no Brasil para controle de pragas, envolvendo microrganismos, macrorganismos, bioquímicos e semioquímicos. Esse número tem aumentado constantemente ano após ano”, disse Bento, que é um dos pesquisadores principais do Centro de Pesquisa Avançada de São Paulo para Controle Biológico (SPARCBio), constituído pela Fapesp em parceria com a empresa Koppert.
De acordo com o pesquisador, aproximadamente 20% dos produtores agrícolas globais adotam produtos biológicos. O Brasil lidera nesse quesito, com 55% das propriedades utilizando biocontrole em comparação com 6% nos Estados Unidos. Em bioestimulantes, o país responde por 50% contra 16% e, para biofertilizantes, a proporção é de 36% contra 12% nas duas nações, respectivamente.
“Hoje, o Brasil conta com cerca de 170 biofábricas, tratando uma área de aproximadamente 25 milhões de hectares, e um mercado que movimenta mais de US$ 1 bilhão anuais, com projeção de crescimento de 15% a 20% ao ano”, relatou Bento.
Em lavouras de cana-de-açúcar – cultura da qual o Brasil é o maior produtor mundial, com área plantada de 22 milhões de hectares e aumento de produção de quatro vezes nos últimos 40 anos –, o controle biológico tem sido combinado com tecnologias como sistemas de monitoramento, sensores, inteligência artificial e veículos autônomos para potencializar sua aplicação.
Ao longo das áreas plantadas têm sido instaladas armadilhas inteligentes, equipadas com câmeras que captam imagens dos insetos capturados, atraídos por feromônios.
As imagens são enviadas para uma central onde são processadas por um software que quantifica os insetos capturados. Por meio de ferramentas de inteligência artificial, as imagens são processadas juntamente com dados climáticos e previsões meteorológicas.
“Esse processamento por inteligência artificial permite estimar a população de insetos para os próximos dias e determina, com precisão, a data mais adequada para a liberação dos inimigos naturais em diferentes partes da fazenda, que é feita por meio de drones”, explicou Bento.
Impacto das mudanças climáticas
As ferramentas de inteligência artificial também têm permitido modelar os impactos das mudanças climáticas, como seca, temperatura elevada e aumento dos níveis de dióxido de carbono (CO2) na composição da semente da soja produzida no Brasil.
Por meio de análises feitas a partir delas, um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências da USP observou que, até determinado ponto, níveis elevados de CO2 exercem efeito protetor na soja, que passa a produzir mais sementes, por exemplo. Sob alta temperatura os resultados são ainda melhores. Ao misturar essas duas variáveis com a seca, contudo, o efeito disso sobre a planta pode ser desastroso, alterando a composição dos óleos do grão.
“Isso pode causar impactos econômicos desastrosos para o Brasil, que é o maior produtor mundial da oleaginosa, seguido pelos Estados Unidos”, avaliou Marcos Buckeridge, professor do IB-USP e coordenador do estudo.
De acordo com o pesquisador, as variedades de soja produzidas no Brasil e nos Estados Unidos são completamente diferentes geneticamente. “Por isso, é importante a colaboração em pesquisa para avançarmos no entendimento dos possíveis impactos das mudanças climáticas nessas plantas”, sublinhou.
Uso de robôs
Já nos Estados Unidos, pesquisadores da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign estão conduzindo um programa sobre o uso de inteligência artificial para o desenvolvimento de soluções agrícolas sustentáveis.
Uma das tecnologias que estão sendo criadas são pequenos robôs, com rodas e outros aparatos, voltados ao controle de ervas daninhas em lavouras de milho, por exemplo.
“Esses robôs conseguem passar sob a copa das plantas, detectar e remover ervas daninhas mecanicamente. A maneira de fazer isso hoje é muito primitiva. Os herbicidas convencionais só podem ser aplicados antes do fechamento da copa das plantas, na fase inicial da estação de crescimento”, explicou Madhu Khana, professora da instituição e coordenadora do projeto.
Outra aplicação dos robôs é no plantio de plantas de cobertura, que têm a finalidade de cobrir temporariamente o solo, durante a pós-colheita, protegendo-o contra processos erosivos e a perda de nutrientes.
“Esses robôs podem espalhar as sementes das plantas de cobertura. Dessa forma, enquanto o milho é colhido, a cultura de cobertura já está plantada. A utilização deles também contribui para diminuir a necessidade de mão de obra, aumentar a saúde do solo, reduzir a necessidade de fertilizantes e a quantidade de ervas daninhas”, avaliou Khana.
De acordo com a pesquisadora, as taxas de adoção de culturas de cobertura têm crescido ao longo do tempo, mas ainda são inferiores a 10% dos hectares no centro-oeste dos Estados Unidos.
Os pesquisadores têm conduzido estudos feitos por meio de ferramentas de aprendizado de máquina e de sensoriamento remoto para analisar ao longo do tempo mudanças na adoção de culturas de cobertura em três Estados norte-americanos: Illinois, Iowa e Indiana.
Os resultados dos estudos indicaram que as chances de adoção dessa prática aumentam quando já é utilizada por fazendas vizinhas, a qualidade de terra é ruim e o custo do cultivo de cobertura é menor, entre outros fatores. (Secom SP)
Foto: Secom SP